Vamos falar sobre radiofarmácia?
Fonte: Assessoria de Comunicação / CRF-PR
Data de publicação: 4 de julho de 2018
Há tempos o combate ao câncer conta com os radiofármacos, substâncias que contêm um elemento radioativo de extrema importância tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de tumores. A radiofarmácia é responsável pelo planejamento, preparo e controle da qualidade dos radiofármacos utilizados na Medicina Nuclear, e também são aplicados na realização de exames sofisticados de diagnóstico por imagens.
O farmacêutico e a radiofarmácia
A radiofarmácia é uma atividade privativa do farmacêutico, nascida, antes da Primeira Guerra Mundial, com a primeira preparação radioativa administrada a um organismo vivo, para a verificação dos seus efeitos e/ou de sua trajetória metabólica. Complexa, a radiofarmácia exige do farmacêutico especialista - o radiofarmacêutico - uma profunda qualificação. Ele é o responsável pela produção, manipulação e dispensação de radiofármacos nos setores hospitalar, industrial e, mais recentemente, nas radiofarmácias centralizadas.
Para desvendar um pouco mais este universo e falar sobre a atuação do farmacêutico nesta vasta área, entrevistamos o Dr. Ralph Santos Oliveira, uma das maiores autoridades nacionais em radiofarmácia. A entrevista abordou ainda questões, como o emprego de radiofármacos no diagnóstico e tratamento de doenças; as pesquisas e o desenvolvimento de novos produtos elaborados à luz da energia nuclear dirigidos para o tratamento do câncer e que estão levando ao aumento do tempo de vida – e com mais qualidade – dos pacientes; a chegada ao mercado de um radiofármaco que detecta, com enorme precisão, o surgimento da doença de Alzheimer, o acesso à terapia radiofarmacêutica, entre outros assuntos.
O entrevistado
DR. RALPH SANTOS OLIVEIRA é farmacêutico industrial pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem mestrado em Energia Nuclear pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutorado em Biotecnologia pela Universidade Estadual do Ceará (UFC), pós-doutorado em Radiofarmácia pela University of Maryland, em Baltimore (EUA). Atua como professor de Radiofarmácia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). É analista da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e integra o grupo de trabalho em Radiofarmácia do Conselho Federal de Farmácia (CFF). Atualmente é Presidente da Associação Brasileira de Radiofarmácia (ABRF).
O que é radiofarmácia?
DR. RALPH - Radiofarmácia é um ramo da farmácia responsável pela produção e distribuição de medicamentos radiativos, tanto para terapia quanto para diagnóstico. Ela também é empregada no diagnóstico de uma gama enorme de doenças, como virologia, psiquiatria, oncologia e cardiologia, sendo essas duas últimas áreas, as com maior atuação atualmente.
A radiofarmácia é utilizada no tratamento de doenças. Como funciona?
DR. RALPH - A aplicação é feita sempre em ambiente hospitalar. O radiofármaco é emissor de uma radiação forte e eficiente para levar a morte celular de uma doença. No caso do câncer, por exemplo, o radioisótopo adequado emite uma radiação que irá matar a célula doente, levando o paciente a uma sobrevida melhor ou até mesmo a cura. O uso do radiofármaco vem substituindo, em muitos casos, o uso de uma terapia mais agressiva. São trabalhados tratamentos simultâneos que aumentam a eficácia da terapia, conseguindo mudar drasticamente o quadro clínico de um paciente.
A radiofarmácia é considerada o lado feliz da radição ou energia nuclear. Por quê?
DR. RALPH - Sempre digo essa frase, porque associamos a energia nuclear com um fato negativo, as bombas lançadas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, durante a Guerra Fria. Desdobramentos disso levaram aos estudos primordiais do uso da radiação na medicina. A partir de então, os radiofármacos surgiram como responsáveis por tratamentos e terapias inovadoras e que são, em grande parte, a última linha de tratamento em doenças complicadas.
Quais são as novidades do setor?
DR. RALPH - Existe o Xofigo®, radiofármaco com base do Rádio-223, que vem mudando drasticamente a terapia do tratamento do câncer de próstata. Esse é apenas um exemplo, já que hoje existe uma pesquisa nbde aplicação de radiofármacos que vem crescendo no mundo todo, melhorando gradativamente a qualidade de vida do paciente. A minha única crítica é sobre o acesso ao medicamento radiativo no Brasil. Em outros países, observamos uma liberação ágil e eficaz, enquanto aqui são vários entraves, apesar de estarmos no caminho certo.
Por que o difícil acesso?
DR. RALPH - O tratamento é caro e ainda somos muito dependentes do fornecimento de matéria-prima do bloco americano e europeu. Isso dificulta muito a disponibilidade em quantidade que atenda a demanda brasileira de maneira efetiva. Por conta dessa dependência, ficamos muito a mercê dos mercados internacionais. Outro grande problema é o reembolso pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que leva os pacientes à rede privada, que coloca um preço alto, não acessível a todos. Mesmo com dificuldade, existe o tratamento através do SUS. É limitado e, na maioria dos casos, está vinculado a hospitais que fazem pesquisa. Porém, dizer que posso contar com SUS para o tratamento com radiofármacos, é complicado. O alcance ainda é pequeno.
E quanto o farmacêutico? Qual a importância de sua atuação?
DR. RALPH - A radiofarmácia é uma área privativa do farmacêutico a qual, nos últimos anos, vem sendo relegada. E essa lacuna vem sendo preenchida por outros profissionais da saúde. As consequências disso poderão acarretar na perda da exclusividade de atuação do farmacêutico. Estamos em um trabalho conjunto entre ABRF e os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia em busca de mobilizar os profissionais sobre este vasto campo de atuação.
Produção de radiofarmácias no Paraná
Cyclopet Radiofármacos conta com cinco farmacêuticos que participam da produção de medicamento usado em exames de diagnóstico precoce de doenças
Tornar-se a primeira empresa do Paraná a produzir radiofármacos não foi tarefa fácil. Instalada em Curitiba desde 2012, a Cyclopet funciona em um minucioso e bem estruturado projeto idealizado por seu fundador, o médico e proprietário de sua própria clínica de medicina nuclear. Dr. Guilberto Minguetti sempre encontrou dificuldades em receber o Fluordesoxiglicose (FDG) para tratamentos dos pacientes, já que esse tipo de marcador é utilizado em exames para o diagnóstico precoce das doenças oncológicas, imunológicas e cardíacas, facilitando a descoberta e consequentemente, o tratamento. Apesar do Brasil já possuir outros centros produtores desse radiofármaco, por conta de sua pequena vida útil, a necessidade de uma produção local era fundamental.
Certificada pelas Boas Práticas de Fabricação da Anvisa, a Cyclopet distribui o FGC para diversas cidades do Paraná e até mesmo para fora do estado, alcançando regiões remotas que antes não conseguiam acesso ao medicamento. Uma logística qualificada de distribuição é fundamental para entregar o pedido às clínicas sem atrasos, enfrentando diariamente os desafios do transporte aéreo e terrestre brasileiro.
Para atuar na área de radiofarmácia é necessário possuir um conhecimento específico. Com uma equipe multidisciplinar, que inclui físicos, técnicos de química e administradores, a Cyclopet conta com cinco farmacêuticos, responsáveis por diversas etapas, como produção, dispensação, controle da qualidade e logística de entrega do FDG. Entretanto, nos anos iniciais após sua instalação, a empresa encontrou dificuldades em encontrar farmacêuticos especializados. “Não havia ninguém que trabalhava com essa tecnologia no Paraná e o ensino da radiofarmácia nos cursos de graduação é muito restrito. Precisamos buscar profissionais em outros estados, mesmo com pouca bagagem, e realizar o treinamento dentro do próprio centro produtor”, alertou o Gerente Geral da Cyclopet, o farmacêutico Ronielly Santos.
Para atender às normas e garantir qualidade do produto e segurança aos operadores, a estruturação do centro de produção envolve áreas limpas e um cíclotron, acelerador de partículas blindado. As condições dos ambientes são monitoradas de forma contínua e mantidas por um sistema automatizado, que verifica temperatura, umidade e pressão e, em caso de alguma alteração, toma ações corretivas. Por suas características, o prazo de validade do FDG é curto, portanto, o local escolhido para abrigar a produção da Cyclopet está estrategicamente localizado apenas sete quilômetros do Aeroporto Internacional Afonso Pena.
A complexidade de produção do FDG envolve importantes controles com demandas, processos e diferentes normas. A construção, projeto e instalação da Cyclopet, atendem às determinações da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e, apesar de todo o processo produtivo não envolver o contato direto com o operador, a legislação brasileira enquadra esse radiofármaco na categoria de medicamentos injetáveis, o que leva a seguir as mesmas regras das envolvidas para medicamentos estéreis. Por questões de qualidade e segurança é imprescindível que o farmacêutico seja responsável por todas as etapas de produção do FDG.
FDG
A fludesoxiglicose (FDG) é um “análogo” da glicose, a principal fonte de energia utilizada pelo corpo humano. Após ser injetada na veia, é transportada pelo sangue até as células, mas, ao contrário da glicose, não é transformada em energia, tornando-se um marcador, possível de ser vista em exames realizados por aparelhos de PET/CT (equipamento de tomografia por emissão de pósitrons acoplado a uma tomografia computadorizada), que visam detectar tumores em estágios iniciais ou para análise da efetividade de tratamentos quimioterápicos. O FDG tem uma meia vida curta de, em média, 109,7 minutos, perdendo gradualmente sua radioatividade com o decorrer do tempo. Por isso, é preciso calcular de maneira exata o quanto de atividade radioativa o produto precisa ter para poder chegar a tempo hábil ao local de realização do exame.
O FDG é manipulado em uma câmara blindada, e após finalizados todos os processos, o farmacêutico, através de um visor, realiza a inspeção visual para verificar se tudo está em conformidade. Ele ainda direciona cada cápsula individualmente para expedição. Antes de ser entregue à clínica de diagnóstico (usuário final), são realizados diversos testes para verificar o nível de radioatividade e a eficácia do lote do radiofármaco. O transporte só é liberado, então, se estiver em níveis de radiação aceitáveis.
Consulta Pública sobre Radiofarmácia
O Conselho Federal de Farmácia encerrou o prazo de contribuição para elaboração de minuta de resolução sobre Radiofarmácia no último mês de maio. Em discussão durante a 470ª Reunião Plenária do CFF, os Conselheiros Federais decidiram que, para o farmacêutico exercer esse tipo de atividade, deverá ser egresso de programa de pós-graduação ou comprovar experiência profissional de três anos ou mais na área. A Resolução do CFF será publicada nos próximos meses no Diário Oficial da União. Fique atento no site do CRF-PR para mais informações.
Para mais ler mais matérias, acesse a Edição 122 da "O Farmacêutico em Revista" clicando aqui.